domingo, 29 de maio de 2011

As Uniões Estáveis Homoafetivas no entendimento do STF e suas conseqüências jurídicas na sociedade.

                                                                    by Mariana Barbosa Guimarães

No dia 05 de maio de 2011, uma decisão paradigmática foi proferida pelo Superior Tribunal Federal reconhecendo as uniões estáveis entre casais do mesmo sexo, julgado este que trará conseqüências para o cenário jurídico nacional e afeta grande parte da população brasileira.

O resultado põe fim a duas ações propostas, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, que foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.

A primeira buscava o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, o que por muitos ativistas era uma afronta a moralidade pública. Tinha ainda o intuito de estender os direitos e deveres dos companheiros nas uniões estáveis aos companheiros nas uniões entre pessoas do mesmo sexo.

Na ADPF 132, foi alegado pelos procuradores do governo do Estado do Rio de Janeiro que o não reconhecimento da união entre homossexuais violaria os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, igualdade e liberdade.

Os Ministros muito se preocuparam com a segurança no Tribunal, uma vez que esperava-se que houvessem muitas manifestações contra e a favor do reconhecimento em questão.

De fato não foi o que ocorreu. Aparentemente a sociedade há muito já esperava o posicionamento dos “Guardiães da Constituição” e ao contrário do que muitos pensavam, o preconceito já foi superado por grande parte da sociedade.

Vivemos em um Estado laico, com direitos fundamentais estampados de liberdade, isonomia e principalmente onde é vedada a discriminação, seja ela de raça, classe, idade e também a opção sexual.

O artigo 1.723 do Código Civil vigente preconiza a união estável entre o homem e a mulher, contínua e duradoura como entidade familiar. Um código cujo anteprojeto foi escrito e enviado ao Congresso em 1975, tempo em que vivíamos sobre a ditadura militar, quando a sociedade ainda não se expressava da forma que se coloca hoje, com imprensa livre e os meios virtuais diminuindo distâncias. Jamais imaginaríamos, naquele tempo, o alcance que a internet possui sobre os cidadãos, seja pela posição social que ocupa, seja pela precariedade do município em que residem.

A difusão cultural se propagou de forma que já não há mais tempo para conservadorismos ou ditaduras, o que infelizmente ainda encontramos em alguns países. Países em pontos extremos do mundo como China e Brasil estão hoje unidos em prol do crescimento econômico e consigo trazem também a evolução do pensamento e da cultura das pessoas.

Os termos fixados no Código Civil foram o ponto de partida para a defesa dos positivistas, incapazes de enxergarem a sociedade além da letra mumificada no texto legal.

Enfim, vence o bom senso, a lógica jurídica e principalmente os direitos fundamentais estampados na Constituição da República de 1988, que jamais vedou a união estável entre pessoas do mesmo sexo, deixando com que a sociedade livremente escolhesse os trilhos que iria traçar.

A entidade familiar é formada pela publicidade, continuidade da relação, o sentimento envolvido pelas pessoas dela participantes e porque não aceitar que todas essas características possam estar presentes em casais que optam se relacionar com pessoas do mesmo sexo.

Já não é mais o tempo de Adão e Eva, diversos países da Europa ocidental e inclusive nossa vizinha Argentina aprovaram legislação permitindo a legalização dessas relações que sempre foram moralmente hostilizadas por várias camadas da sociedade, mas que jamais deixaram de existir.

O Ministro Joaquim Barbosa, em seu voto, expressou que “Estamos diante de uma situação que demonstra claramente o descompasso entre o mundo dos fatos e o universo do direito”. As relações homoafetivas sempre foram escondidas atrás do preconceito e da timidez por serem diferentes do que a sociedade elegia como correto.

Não mais adianta tentar esconder o que hoje está explícito. Como em todos os momentos marcantes da história mundial, foi preciso que essa camada da sociedade tão desprezada e rechaçada se unisse, através dos chamados movimentos GLBTS, para que suas vozes ultrapassassem os muros do preconceito.

Ao final do julgamento, o Ministro Presidente do STF enviou um recado ao Poder Legislativo, para que se manifeste com brevidade sobre as relações homoafetivas, no intuito de efetivar na legislação o posicionamento exarado pelo Tribunal no julgamento.

Retornamos ao positivismo, talvez para dar uma satisfação à sociedade, com cidadãos crédulos na letra da lei, talvez para que de fato não restem dúvidas entre o certo e o errado, ou o justo e injusto.

É certo que o Direito jamais foi capaz de acompanhar as mudanças estruturais da sociedade na velocidade em que elas se manifestam, sendo que desde os tempos mais remotos a legislação é quem acompanha a sociedade e suas revoluções. A população não é moldada ao que foi escrito, mas modifica a lei na medida de sua evolução.

Nós somos os revolucionários da nossa própria guerra de sobrevivência num mundo que ainda contém tantas injustiças e o Poder Judiciário respondeu aos questionamentos da sociedade com a bravura que se espera daqueles que foram escolhidos para proteger os direitos fundamentais conquistados ao longo do tempo.

Diante desta decisão histórica, que marca a história do direito brasileiro, novas conseqüências surgirão no cotidiano das pessoas que já faziam parte deste seleto grupo e também nas novas gerações, que terão liberdade de relacionamento sexual, com todos os seus direitos garantidos.

O Direito das Famílias não será mais o mesmo, agora abrangido pelo reconhecimento das uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo. Ainda não podemos falar em casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, mas a mídia já mostrou a primeira de muitas cerimônias homoafetivas que ocorrerão em nosso país.

Os casais homoafetivos poderão agora ter sua relação reconhecida judicialmente, devendo ser a competência das Varas de Família, para o processamento destas questões. Os divórcios serão tratados da mesma forma que dos casais heterossexuais, havendo o direito à partilha de bens e inclusive guarda, seja de menores, seja dos animais de estimação, que já são considerados nos processos brasileiros.

Tal decisão trará conseqüências ainda na sucessão destes companheiros, que serão parte no rol de herdeiros, podendo ainda figurar como meeiro. Os casais que já se encontram nesta situação, deverão procurar um advogado de confiança, para que possam efetivar o seu direito.

Não será diferente no Direito Previdenciário, onde os companheiros homoafetivos poderão incluir o seu afeto como pensionista para os casos de falecimento, como diversas decisões judiciais de primeira instância no país já vinham reconhecendo.

As conseqüências jurídicas não possuem rol taxativo, mas meramente exemplificativo, diante dos inúmeros casos concretos que surgirão para mais uma vez o Poder Judiciário, através de nós, instigadores do Direito, construirmos juntos uma solução plausível, atendendo aos princípios do Estado, cada vez mais Democrático de Direito.

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